quinta-feira, março 01, 2012

Marito de Portugal


Marito tentou internacionalizar o seu estilo. A experiência não correu bem.
Sem nunca ter usado bigode, o pequenito Marito é, também ele, uma pérola de portugalidade. Assim como a sardinha se quer miudinha, os extremos portugueses queriam-se baixinhos e rápidos. E assim era Marito, moço reguila de estatura meã, nascido no interior tradicional português, a quem nem sequer faltavam os caracóis ou as faces rosadas pelo bom velho tinto da aldeia. Marito nunca conheceu outros caminhos que não os calcados junto às linhas laterais, sempre perto dos bandeirinhas e afoito a fugir aos foras-de-jogo. “Marito” e “extremo” eram conceitos redundantes e, ainda hoje, se algum mister disser “quero um Marito para abrir o jogo!”, todos compreenderão que está na altura de lançar o ratinho velocista que joga nas linhas para dentro de campo. Hoje em dia, é mais “transições ofensivas”, “explorar os espaços exteriores, buscando linhas de passe para o pivot” e “aproveitar a velocidade e a facilidade de rotação propiciada pelo baixo centro gravitacional do ala”. Mas Marito só sabia de “contra-ataque”, “bola no pé junto à linha”, “fazer cuecas aos defesas”, “manda-te para o chão assim que te tocarem!” e apenas via a linha de fundo; corria, corria, corria como se estivesse ainda no recreio, como um Forrest Gump no meio de calmeirões sem caneleiras, como um Tsubasa que demorava três episódios até passar com a bola no meio-campo e ver o adversário mais próximo aquém da linha do horizonte.
O percurso de Marito confunde-se assim com o trajecto do Portugal à beira-mar plantado: ambição moderada, orgulho na sua rotina, periférico, pequenino e remediado. Para o quadro ser perfeito, só faltava haver uma casa de fados, pão e vinho sobre a mesa com o Marito sentado num banco, a coçar os ouvidos com a unha do dedo mindinho. O fado de Portugal foi o fado de Marito. Se perguntassem a Marito como ia a vida, ele seria capaz de responder “pois, cá vamos indo…”, com aquela congénita resignação de quem sabe que as coisas não estão mal sem estarem espectaculares e com aquela aversão de mostrar que se é bom demais, não vá gerar atritos e estragar o que para já… “vai indo” – um dia, quem sabe, fintaria toda a equipa contrária e marcaria um golo à Maradona, mas para já o mister só quer é ganhar um canto ou outro e atingir a manutenção ponto a ponto. E ele cumpria.
Andou por aí, a incutir velocidade por equipas de meio/fundo da tabela que nunca tiveram grandes soluções, fez mossa, deu alegrias, mas não conseguiu subir mais um patamar. E, quando subiu, voltou com saudades para onde tinha saído, satisfeito e aliviado por voltar a ser um peixe grande num lago pequeno – se é que “grande” e “Marito” podem ser conjugados na mesma frase. O que ele gostava mesmo era de dar cartas no seu minúsculo quintal, desenrascando como podia. Cresceu, enquanto jogador, na Académica. Teve oportunidade no FC Porto. Mas não aguentou a pressão e saiu para a Amadora – o seu único clube abaixo do Mondego e de perfil demasiado urbano para a sua ideologia beirã. Subiu de forma em Famalicão e Chaves, dois favoritos da turba cromística dos anos 90, onde desempenhou o papel de abre-latas de defesas compactas e trauliteiras em relvados enlameados, despertando uma certa cobiça por palcos mais cimeiros, quiçá  uma Skydome Cup qualquer como prémio, que nunca se concretizou. Ainda teve tempo de correr em Viseu, Coimbra (novamente), Lamego e Gaia, até finalizar ali pertinho de casa, o lar doce lar tão humilde, em Mangualde.
O lóbi pró-Marito e o exagero da sua retórica.
Havia muito por onde pegar em termos de extremos microscópicos, caso os conseguíssemos agarrar: Rebelo (seu irmão de sangue, com o qual diabolizou Famalicão com a sua velocidade anã), Fua (a gazua angolana), Martelinho (diminutivo até no nome), Dominguez (a versão sofisticada à Backstreet Boys do lusitanismo clássico de Marito), Bakero (que talvez fosse alto e fátuo demais para haver comparação) ou, para não irmos mais longe, mesmo Rui Barros, mas Rui Barros, embora revelasse a mesma capacidade de tornar um equipamento XS em XL assim que o vestia, nem sequer era bem um extremo. Todos eles podiam ser sete magníficos anões de uma Branca de Neve qualquer. Mas, de entre todos eles, só Marito encorpava genuinamente a alma portuguesa naquele palmo e meio de gente.

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